O título sumiu (por André Kassu)

Esse não é um texto saudosista. Não cabem aqui lembranças de um velho tempo. É simplesmente uma constatação. O título anda sumido, escanteado, não globalizado, talvez. Eu não sei quanto a vocês, mas um bom título é sempre mágico de ler. O comentário roubado, aquilo que você jura já ter pensado, mas não foi capaz de traduzir. Curtos, em dois tempos, três tempos até. Os raciocínios inteligentes que mais parecem conceitos de tão bem pensados. E por que não, a maldade, a observação precisa das mazelas humanas?

Mais uma vez, não existe aqui uma tentativa de negar os novos tempos. É só uma homenagem, resgate que seja, de uma grande arte: o título. Eu sei, todo mundo quer pensar no viral de um milhão de views, na escada rolante “moonwalk” que desce em marcha a ré tocando Billie Jean. É natural. Mas a existência de um não deveria matar o outro. O gorila da Cadbury não enterra o Michael Jordan 1×0 Isaac Newton. Assim, como nem a mais brilhante das ações pode ser considerada superior aos títulos e textos do Neil Ferreira (ou alguém duvida que a morte do orelhão é uma ação genial?).

O título é tão injustiçado que quando ele é bom e o layout é ruim, ele morre. Mas quando ele é mais ou menos e a direção de arte é bonita, ele se perpetua. Pobre coitado. Fadado a não depender nem de si mesmo. De ser chamado em pedidos de “vamos evitar aquelas gracinhas ou piadinhas”. De ser confundido com dizeres. De ser constantemente substituído pelo seu primo abaixo, o subtítulo.

O fato é que nas revistas e nos anuários, o título tem andado de lado. E é injusto. Fazer título é exercitar a arte da síntese. É mais do que nunca, saber cortar palavras. Tanta coisa genial já foi escrita que cada detalhe faz a diferença. Páginas e páginas de títulos esquentam a mão, nos fazem pensar na importância de vírgulas, pontos e pausas.

Já ouvi gente que, para menosprezar o título, diz: eu penso visualmente. Ou, eu penso no conceito como o todo. Ou, eu penso global. E aí temos uma infinidade de anúncios com o logo  pequeno no canto direito, uma imagem e um conceito com interrogação. Tudo bem. Você pode não ser um tituleiro nato, mas por favor, saber escrever é básico. Ou deveria ser. Eu tenho visto pastas de redatores com muita intimidade com ações e pouca com as palavras. Gente que certamente tem  dificuldade para escrever um texto cabine de rádio (e sim, esses jobs existem).

Eu sei que gosto de título. E gosto do texto. Cada palavra escrita pelo Fábio Fernandes (leia os diálogos dos filmes e veja se tem alguma coisa ao acaso por ali. Releia o texto da crise), o olho atento do Eugenio Mohallem, a fina ironia do Wilson Mateos, a mistura de loucura, ódio e formulinha zero do Edu Lima. A maldade angelical do Roberto Pereira, a inteligência e emoção do Olivetto, tudo do já mencionado Neil e a nostalgia que me bate ao ler o texto do Pelourinho do Nizan. O “experimente ser magra” do Peralta, “a história de um homem feliz” do Luiz Toledo e o Renato Simões que escreve muito antes de existir a categoria técnica do anuário. Escrever não deveria ser uma preocupação dos redatores, apenas. “Você bebe e não ganha nada” foi criado pelo Marcello Serpa. E matou legiões de redatores de inveja. Sem falar no André Laurentino, que saiu da direção de arte para a redação, escreveu livro e o melhor texto sobre filho único que eu já li.

O título me faz uma falta que o twitter não preenche. Ainda que o twitter prove que as palavras continuam importantes.  Os tais 140 caracteres viraram o refúgio dos tituleiros, como disse o Rodolfo Sampaio. Só que tudo vira briefing e a disputa é pelo RT.  E são tantos títulos a todo instante, que o critério e a magia se perdem.

Pode parecer antigo ou fora de moda. Pode não ser o jeito mais fácil de ganhar Leão ou fazer sucesso nos comentários anônimos. Mas um bom título é e continuará sendo sempre excelente propaganda.

 

Agora clica aqui e confere as dicas que o Kassu escreveu pra gente aqui no Só Títulos.

André Kassu dá a dica

Quem está no caminho da redação publicitária com certeza conhece o nome André Kassu. Um redator muito foda que já faturou muitos leões em Cannes (inclusive GP),  já trabalhou para as agências mais admiradas do mundo, quase virou músico de blues ao invés de redator, nada como terapia, escreve mais do que só títulos e é dono de um dos textos mais admirados aqui do blog. E o melhor: é extremamente acessível, simpático e, com a maior consideração do mundo, escreveu dicas valiosas de como fazer bons títulos (obrigado Kassu!). Então senta e abre o caderno que a aula vai começar.

 

Andre-Kassu so titulos

O bom título é um comentário roubado, um diálogo da rua pescado sorrateiramente. Ele foge dos que não observam a vida real e acreditam que a verdade mora apenas nos anuários. Você pode ler todos os livros e manuais de propaganda, mas só chegará ao refinamento quando aprender a observar em volta.

O bom título exige que você pense em cada palavra para que ele soe natural. Com tanta coisa boa já criada, o cuidado na escolha de um artigo pode ser crucial. Arrisque nas formulações, nas estruturas mais estranhas. Fale os seus títulos em voz alta (ok, pode falar baixinho para não soar louco). Perceba se ele tem alguma trava, se as vírgulas estão bem posicionadas

Leia mais livros e menos anuários.
Frequente mais as ruas e menos as festas de propaganda.
Saia de casa com a certeza de que os bons títulos escapam rápido.
Corra atrás deles com os pés no chão.
Afinal, quem caça de salto alto pode até achar alguns bons. Só que em alguma hora, a queda é inevitável.